sábado, 8 de março de 2008


Segue abaixo um texto que Chico Anysio escreveu ao saber que iria ter uma filha, para quem não sabe, a menina Victória é sua caçula e ele já era pai de 06 filhos, todos homens. Me identifiquei bastante com o texto.

A FILHA QUE EU NUNCA TINHA TIDO

A filha que eu nunca tinha tido, sempre teve a mim. Muito antes dela vir a ser minha, eu já era dela há séculos. Porque os meus filhos, seis homens, me duplicavam, me multiplicavam, mas sempre neste mundo masculino árido, ardido, que é meu, que sou eu.

Não obstante, ela estava lá. Estava lá, porque, muitas vezes, entre as bolas de futebol do Lug, os carrinhos do Nizo, os super-heróis do Rico, os times de botão do Bruno, os Nintendos do Cícero, os Power Rangers do Rodrigo... eu entrevia uma boneca.

Não que ela estivesse com eles, mas com eles crescia, numa equivalência diáfana, uma extensão suave e transparente.

Eu tenho filhos de idades variadas. Do neném ao adolescente, do adolescente ao de meia-idade e quando eu comprei o primeiro par de chuteiras de um, imaginei como seria comprar o primeiro par de sapatilhas dela; quando comprei a primeira bola de outro, imaginei o que seria entrar numa loja e comprar uma boneca que fosse do tamanho dela; ao comprar o primeiro terno completo de outro mais, imaginei o que sentiria comprando o primeiro vestido de bailes dela.

Quem não é pai de um filho, talvez possa entender a totalidade da vida de um homem, mas quem não é pai de uma filha, jamais entenderá a imponderabilidade da vida de uma mulher.

Por isso, a filha que eu nunca tinha tido sempre teve a mim. A minha mulher teve uma gravidez de nove meses, a minha foi uma de 50 anos.

Mas aí, uma mão suave e invisível, apagou da superfície da minha angústia a mais terrível e cruel das palavras: NUNCA. Agora eu tenho uma filha... Agora eu tenho acesso a um mundo que eu já achava que me era proibido, vetado, interditado. Agora eu vou aprender o outro modo de conviver, falar, proibir, deixar, aceitar, conceder, conciliar...

Obrigado, Senhor, por teres aberto a porta que separa o sagrado do profano, ao me dares esta filha com quem vou aprender.

Victoria... VITÓRIA!

P.S.: No meu caso dei mais sorte que ele, afinal se considerarmos que a minha vontade de ser pai vem, aproximadamente, de quando eu tinha 25 anos, a minha gestação foi de apenas 11 anos e agora sou pai de duas, ou seja, duplamente melhor.

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